(Por Mariana Nascimento)
Hoje a memória de um episódio distante e há muito tempo esquecido me veio à lembrança...
Quando tinha uns 6 anos de idade, levei para casa um questionário da escola (com várias perguntas pessoais - tipo: Você tem irmãos? ou Você gosta de brincar de quê?) para ser respondido e entregue de volta para a Tia.
Enquanto minha mãe preparava o jantar (não podia deixar aquilo para o dia seguinte!- estava muito ansiosa para responder aquelas perguntas seriíssimas), lembro de me sentar à mesa da cozinha, pegar aquela folha verde cheia de questões, depois o meu estojo rosa com desenhos mimosos, procurar nele uma humilde lapiseira -entre todas as canetas e hidrocores que não me permitiam usar para fins acadêmicos- , e começar a responder ao importantíssimo questionário.
Considerando a ausência de intervenções na supervisão da minha mãe, tudo parecia estar correndo bem (ao menos não tinha inventado nenhum mundo alternativo onde eu tivesse 5 irmãos e a profissão dos meus pais fosse: alienígena).
Até que nos deparamos com a seguinte pergunta: O QUE VOCÊ QUER SER QUANDO CRESCER?
Com muita seriedade e concentração, escrevi no papel: Mãe igual a minha mãe.
Já ia passar para a próxima questão quando fui interrompida: "O que você quer ser quando crescer, Mariana?", perguntou ela com aquele ar de certa desatenção misturada com interesse.
"Quero ser mãe.", respondi sem alarde e com muita naturalidade.
Minha mãe deu uma gargalhada alegre-cômica-emocionada e eu não entendi nadinha de nada. "Ah, minha filha, você não pode responder isso. Mãe não é profissão." Contra-argumentei:"Mas você não é mãe?", e ela:"Mas isso não é profissão... Você tem que escolher uma coisa que seja um trabalho, que você ganhe dinheiro". "Mas e se eu não quiser? E se eu quiser ser mãe igual a você, não pode?"
É claro que a minha mãe já estava começando a ficar emocionada com aquela declaração involuntária de amor, carinho e admiração (quem a conhece consegue imaginar...), mas ela não podia deixar de defender os desígnios pragmáticos da escola/sociedade: "Pode, minha filha... mas você não pode querer ser SÓ mãe igual a sua mãe, tem que ser outra coisa também."
Não consegui entender muito bem o porquê dessa exigência logo comigo! Isso era uma certa injustiça... Minha mãe podia ser o que ela queria mas eu não!... Estava sendo obrigada a escolher outra carreira!...
Vendo minha indignação e incompreensão, ela tentou me ajudar:"Você não gosta de ler e de escrever?", "Gosto", respondi um pouco impaciente. "Então! Você pode querer fazer alguma coisa que tenha a ver com isso!", disse tentando me animar. "Então eu quero ser escritora."
Minha mãe sorriu novamente, dessa vez apenas um sorriso singelo, como quem está adorando perder a batalha..."Mas eu acho que escritora também não é profissão..."
Pronto! Era um complô contra mim: tudo que eu escolhia não podia ser. "Ah, mãe! Então o que que eu vou fazer? Vou ter que ser uma coisa que eu não quero e que eu não gosto?"
Não sei que tipo de pensamento passou pela cabeça da minha mãe naquele momento, mas (já anunciando toda a sua sabedoria e compreensão que me seriam fundamentais no futuro) ela disse:"Tudo bem, você pode ser o que você quiser."
Suspirei aliviada e sorri contente - foi boa a sensação de conforto e apoio... A resposta? "O QUE VOCÊ QUER SER QUANDO CRESCER? Mãe igual a minha mãe e escritora."
É com muito carinho que lembro desse episódio vinte e três anos depois. Ele estava esquecido...apagado...talvez escondido por algumas imposições e necessidades desse longo tempo de espera...
Quando hoje me deparo com as certezas daquela menininha, penso no quanto foi preciso me afastar das suas vontades e convicções para hoje ser capaz de encará-la de frente e dizer: "Finalmente chegamos."
Um comentário:
lindo, Mari!
dentre tanta emoção que me despertou, vou me resumir a dizer que foi lindo!
beijos ao cubo
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